Após termos visto, em nosso artigo introdutório, diferentes estratégias para reunirmos coesão em um ecossistema de microserviços, replicação de código talvez seja a mais simples—e, ao mesmo tempo, uma das mais polêmicas. Por que deliberadamente copiar e colar trechos de lógica em cada serviço, se estamos acostumados a ver isso como um “cheiro de código”? Neste artigo, vamos explorar:
- O que é replicação de código e como funciona na prática.
- Tabela de trade-offs (vantagens e desvantagens).
- Analogia com situações fora da programação.
- Cenários em que a replicação de código é aplicável e onde evitar.
1. O que é Replicação de Código em Microserviços?
Replicação de código consiste em copiar parte de uma lógica (funções, classes, utilitários) para cada serviço que precisar da mesma funcionalidade, em vez de:
- Criar uma biblioteca compartilhada, ou
- Subir uma API única que todos chamem.
É a forma mais “manual” e descentralizada de reutilizar algum código comum, pois cada microserviço passa a ter a sua própria cópia de tal funcionalidade.
Por Que Alguém Faria Isso?
- Autonomia total: Cada serviço modifica seu pedaço sem depender de versão de biblioteca ou do deploy de um serviço central.
- Velocidade e simplicidade: Menos burocracia; se é apenas uma função de utilitários pequena, pode ser mais rápido copiá-la do que manter uma lib oficial ou depender de um microserviço.
2. Tabela de Trade-Offs
Para facilitar a visualização, segue uma tabela resumindo os prós e contras da replicação de código:
Critério | Vantagens | Desvantagens |
---|---|---|
Simplicidade | - Fácil de implementar (copiar e colar). - Evita overhead de pipeline de lib ou serviço |
- Atualizações manuais em vários lugares. - Risco de inconsistência (cada cópia evolui diferente). |
Autonomia | - Cada microserviço não depende de uma lib externa ou serviço compartilhado | - Se há correções críticas, é preciso lembrar de atualizar em todos os lugares |
Escalabilidade Organizacional | - Times podem prosseguir sem “synch” com um time dono de biblioteca ou serviço | - Possível divergência de lógicas semelhantes, gerando “rotas” de evolução distintas |
Manutenção | - Zero dependência externa. - Se raramente muda, não gera dor |
- Se a lógica for mutável, cada mudança exige reimplementar/testar em cada serviço |
Governança de Qualidade | - Sem versionamento ou CI/CD adicional | - Dificulta padronizar boas práticas (se um bug for encontrado, todas as réplicas precisam fix) |
Tempo Curto vs. Longo Prazo | - Curto prazo: rápida e funcional | - Longo prazo: risco de explosão de divergências e retrabalho duplicado |
3. Analogia Fora da Programação
Podemos comparar replicação de código a:
- Uma receita de bolo:
- Se você tem uma receita de bolo que vários cozinheiros precisam usar, poderia criar um “livro de receitas” oficial (equivalente a “biblioteca compartilhada”), ou cada cozinheiro guarda uma cópia impressa.
- A vantagem de cada um ter sua cópia é que eles não precisam esperar a edição nova do livro para mudar algo. Já se surge uma correção (ex.: reduzir açúcar), cada cozinheiro precisa alterar manualmente sua folha.
- Se for uma receita estável, sem muitas mudanças, a cópia pessoal não dá problema. Mas se a receita muda frequentemente, cada “cópia” pode ficar defasada ou divergente.
4. Onde é Aplicável (e Onde Evitar)
4.1 Cenários Aplicáveis
- Funções Pouco Mutáveis: Lógica que não deve sofrer revisões frequentes.
- Trechos Simples: Pequenos utilitários ou helpers, sem grande complexidade ou risco de bugs críticos.
- Equipes com Autonomia Alta: Cada time não quer depender de pipelines externos ou de manter uma biblioteca formal.
- Prazo Curto / Prova de Conceito: Se o objetivo é agilidade, e a duplicação não causará custos grandes a longo prazo (ou será descartada após o experimento).
4.2 Onde Evitar
- Lógica Crítica: Qualquer bug pode ter grande impacto. A replicação torna correção mais arriscada (ex.: é preciso atualizar múltiplos serviços).
- Funcionalidades em Constante Evolução: Ex.: validações fiscais, algoritmos de segurança, regras de negócio voláteis. A divergência pode criar caos.
- Times com Governança Rigorosa: Se há cultura de “uma única fonte de verdade”, duplicar código viola esse princípio.
- Dependência Forte entre Serviços: Se eles precisam exatamente da mesma implementação, manter múltiplas cópias pode gerar inconsistências de comportamento.
Conclusão
A replicação de código pode surpreender por ser, em certos casos, intencional e vantajosa quando a funcionalidade compartilhada é mínima, estável e não demanda atualizações frequentes. Evita-se o overhead de manter bibliotecas compartilhadas ou serviços comuns que possam gerar acoplamento.
Entretanto, deve-se tomar cuidado com:
- Manutenção no médio/longo prazo: qualquer mudança requer esforço duplicado/triplicado, há risco de inconsistência se nem todos atualizarem.
- Escopo de duplicação: se o pedaço é grande ou crítico, a estratégia se torna perigosa e o retrabalho cresce exponencialmente.
Nos próximos artigos, aprofundaremos em outra estratégia — Biblioteca Compartilhada.
Notas Bibliográficas
- Arquitetura de Software: As Partes Difíceis. Editora Alta Books.